19 de fevereiro de 1994 – O Jornal “A Folha de São Paulo” publica uma reportagem sobre o autismo, escrita pela jornalista Marina Teixeira de Mello, com chamada na capa.
A matéria mais gratificante que já escrevi!
Por: Marina Teixeira de Mello
O ano era 1984, e eu trabalhava como repórter no Jornal FOLHA DE S.PAULO. Naquele dia – 18 de fevereiro – recebi a incumbência de fazer uma matéria que me interessou muito. Eu iria me encontrar com um grupo de mães de crianças autistas, que, sob a orientação do Dr. Raymond Rosenberg (um dos raros médicos especialistas no tratamento de autistas, em São Paulo), havia fundado a AMA -Associação de Amigos do Autista, e batalhavam para criar uma escola especializada onde seus filhos e outras crianças pudessem receber educação e os cuidados imprescindíveis para sua melhora e integração à vida.
Naquela época, o Autismo ainda era um transtorno psíquico praticamente desconhecido, até mesmo no meio médico. Seria muito bom saber mais sobre o assunto, pensei. Acompanhada pelo fotógrafo Luiz Carlos Murauskas (Luizão), lá fui eu – sem imaginar o grau de importância que essa reportagem teria, em muitos sentidos, tornando-se a mais gratificante da minha vida de jornalista…
Mãe de quatro filhos saudáveis, senti imediata empatia por aquelas jovens mães: Marisa Furia Silva, Maria Emília Cerruti, Maria Christina Cordeiro Reckevicius, Maria Auxiliadora (Dora) Verardi, e Maria Aparecida Peres – que me receberam com carinho e abriram o coração, narrando cada uma delas a sua difícil experiência. Tudo o que ouvi me tocou demais! A angústia dos pais diante do diagnóstico assustador, o desconhecimento sobre a doença, a luta diária, com amor e paciência infinitos, para lidar com o seu filho, o preconceito das pessoas diante do comportamento inadequado ou agressivo da criança, a dificuldade de arcar com tratamentos caríssimos… Meu Deus, que barra pesada!!! Mas no sofrimento as famílias se uniram – e, sob a assistência e o apoio do Dr. Rosenberg, conseguiram concretizar o seu projeto e criaram a AMA. Em curto tempo a entidade já reunia 70 famílias.
Escrevi a matéria com o maior empenho – e o Luizão, com sua arte e sensibilidade, fez as fotos. Uma delas, linda e emocionante, mostrava o perfil de um dos meninos, o olhar perdido no horizonte … Resultado: a nossa reportagem ganhou uma enorme chamada, com essa foto maravilhosa ocupando metade da capa do jornal de domingo!
Fiquei feliz, claro, e surpresa quando começaram a chegar cartas vindas de todo o País – em 1984 não havia celulares, Internet, redes sociais, WhatsApp… Vinham de mães, pais e até de médicos, que nunca tinham ouvido falar em autismo, e identificaram os sintomas descritos na reportagem com os dos seus filhos ou pacientes. Muitos agradeciam e pediam o contato do Dr. Rosenberg e da AMA. Eram tantas as cartas que o editor-chefe designou uma secretária para me ajudar a organizar a correspondência!
A repercussão da matéria foi incrível! E em maio daquele mesmo ano veio outra surpresa: fui convidada a fazer uma segunda reportagem sobre a AMA. O primeiro passo tinha sido dado: os pequenos autistas já tinham um espaço próprio, o NAAMA (Núcleo de Aprendizado da Associação dos Amigos dos Autistas). Que coisa boa!!!! Recém-criada, num espaço cedido na Igreja do pastor Manuel Thé, a escola já contava com 13 alunos e uma equipe de 11 especialistas, que incluía psicóloga, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, pedagoga. Duas vezes por semana a equipe se reunia com o Dr Raymond Rosenberg, que analisava cada caso, e continuava dando a maior assistência à AMA. Foi uma vitória, na luta incansável dos pais e do generoso médico.
Guardei essas duas reportagens no meu arquivo, com muito carinho. E agora… vem a surpresa maior: 39 ANOS DEPOIS DELAS (!!!!!) eu morando no Rio, meus filhos já de “meia-idade ”e dois netos adultos….recebo um e-mail seu, Ana Maria! Você achava que eu não me lembraria (imagine…), citou a reportagem da Folha, disse que fui uma das pessoas que ajudou a AMA a se solidificar. Pediu se eu poderia escrever um texto sobre essa minha experiência, na comemoração dos 40 anos da AMA. Nossa, que grande emoção e alegria para mim!
Então, aqui está o meu relato…Fico extremamente grata em saber que pude, com o meu trabalho, ter colaborado na vitória de vocês. Entrei no site da AMA e fiquei maravilhada ao ver o tamanho e a importância que hoje tem a Associação que vi recém-nascida! Eram, então, 13 crianças…. Hoje vi que há inúmeros núcleos, em muitos lugares, e 500 autistas, de várias idades e todas as classes sociais, ganharam a possibilidade de um tratamento sério, de um futuro melhor. Minha homenagem ao Dr. Rosenberg e a vocês, mães e pais. Foi muito bom constatar que existem anjos nesta Terra.
Marina Teixeira de Mello
Rio de Janeiro, 04 de setembro de 2023
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