22 de outubro de 1985 – O Jornalista José Maria Mayrink publica no jornal “O Estado de São Paulo” uma carta escrita pela AMA e revisada por ele.
Autismo (síndrome ou doença?)
Carta publicada no jornal O Estado de São Paulo em 22 de outubro de 1985
Por: Ana Maria Serrajordia Ros de Mello
Somos pais sofridos e vamos perdendo as forças no longo caminho que passa pelo diagnóstico de nossos filhos – crianças autistas – e estende-se por todos os dias da existência.
O autismo (síndrome ou doença?) é um problema ainda desconhecido, de tratamento paciente e resultados lentos, às vezes imperceptíveis.
A rotina da escola e os constantes cuidados que essas crianças exigem nos esgotam, e as dificuldades nos levam ao desânimo. Mas o que assusta ainda mais, preocupação de dia e de noite, é o futuro sombrio que nos ameaça, um futuro sem perspectivas e sem esperanças.
Outros países criaram associações que nasceram, cresceram e vêm cumprindo seu papel sob o amparo do governo e da sociedade, permitindo aos pais viver e trabalhar sem a intranquilidade de um dia a dia comprometido e, na medida do possível, confiantes no futuro.
Nós também fundamos a nossa associação em São Paulo, a AMA – Associação de Amigos do Autista -, mas aqui a realidade tem sido outra, muito mais difícil, peso quase insuportável.
Fazendo um balanço desses dois anos de luta (nossa associação foi fundada em agosto de 1983 por um grupo de pais e amigos de crianças autistas), vemos que muita gente nos tem dado sua ajuda e incansável solidariedade.
Somos extremamente gratos, mas ainda é muito pouco em vista do tamanho de nosso problema.
Começamos trabalhando nos fundos de uma pequena igreja batista da Zona Sul e de lá mudamos para a rua do Paraíso, 663, onde nosso núcleo mantém agora 13 alunos, em meio período. Eles exigem atenção ininterrupta, cuidados especiais, muita paciência e, sobretudo, amor.
E tudo isso recebem de nossa equipe – pedagogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e seus auxiliares, mas as despesas são grandes demais. A proporção é de um profissional para cada criança. Tivemos, em setembro, um custo de Cr$ 13 milhões e recursos que não chegaram a Cr$ 5 milhões, o que significa um déficit mensal de Cr$ 8 milhões, que se repete e cresce.
Olhando para o futuro de nossa Associação chegamos à conclusão de que ele é tão incerto e sombrio quanto o de nossos filhos.
Pedimos socorro. E o que queremos é apenas atenção, e alguma ajuda para estas crianças imprevisíveis, distantes, estranhas. Precisamos do governo e da comunidade. Ao governo pedimos o reconhecimento para nossa Associação como entidade de utilidade pública, assistência do Ministério da Saúde e da Previdência Social para um trabalho de diagnóstico precoce e tratamento, recursos do Ministério da Educação para a formação de classes especiais, apoio financeiro imediato e a longo prazo.
Não queremos funcionar apenas como núcleo escolar e de treinamento. Temos também que partir para a pesquisa, única saída possível para mergulhar nesse mistério terrível que é o autismo.
Da comunidade, esperamos compreensão para nossos filhos que às vezes incomodam tanto, solidariedade para com a nossa causa e ajuda financeira para levarmos adiante nossa luta. Somos 200 mil brasileiros que estendem as mãos – os 60 mil autistas, e suas famílias. Nem tantos que seja impossível socorrer, nem tão poucos que não valha a pena pensar.
Ana Maria Serrajordia Ros de Mello
Presidente da Associação de Amigos do Autista
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